quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Aventuras do Cavaleiro do Tempo em Terras de Pindorama

O que é AVENTURAS DO CAVALEIRO DO TEMPO EM TERRAS DE PINDORAMA?

É um romance em doze capítulos - este aí embaixo é primeiro deles - que tenta recontar a história do Brasil através de episódios com personagens fictícios que contracenam com personagens históricos em estórias meio fictícias meio reais, desde do século XVI até o século XX, começando por Anchieta, passando por Vieira, Zumbi, Tiradentes, Pedro I e II, Euclides da Cunha/Conselheiro, Mário/Oswald de Andrade, Luis Carlos Prestes, Lampião, Getulio Vargas e Juscelino Kubstchek. Comecei a escrever esse texto em 2002, acho. Parei pelo sexto capítulo, publicando-o no site www.dopropriobolso.com, do meu amigo Mário Pacheco, em Brasília, para tentar melhorar o que tinha escrito e o que pretendia continuar a escrever. Estou aproveitando que estou meio que preso em casa por conta de problemas de saúde, para rever o material que tinha produzido. Acho que o termino esse ano por aqui. Espero que entendam e compreendam as licenças ficcionais a que me permiti. Se não entenderem nem compreenderem, me desculpem pela audácia de tentar escrever um “romance histórico” e não me levem a sério, que eu entendo... Claro que aceito sugestões, reparos e críticas, afinal o texto é algo que classificaria como um trabalho em progressão (working in progress como diria mestre Gerald Thomas...) desde que não muito agressivas ou mau fundamentadas...



AVENTURAS DO CAVALEIRO DO TEMPO EM TERRAS DE PINDORAMA
 

                                 Capítulo I

Depois do susto padre escreve versos na areia da praia

Eles chegaram aqui no começo de tudo. Vieram clandestinos numa das naus. Foram descobertos em alto mar. Viraram grumetes. Um deles torcera para que os marujos os jogassem ao mar. Preferia virar comida de peixe.Viera porque o outro o induzira. Estória de aventuras por mares dantes nunca navegados. Idiotice. Cabeça aventureira, a de Nuno. Era de outra estirpe. Não era a toa que se chamava Sanxo.
Nuno era alto e magro. Sanxo era baixo e meio gordinho.Nuno tinha 18 anos, Sanxo, 17. Fugiram da nau e se embrenharam na mata assim que puderam. Grumetes desertores. Encantaram-se com a beleza da mata e de tudo ao redor. O encanto durou pouco. Assistiram a um festim canibalesco logo que desceram. Ficaram apavorados. Fugiram com medo dos índios.
Alguém que não era os índios os espreitava. Um tipo esquisito, alto, cabelos e barbas longas, alvo manto até os pés. Parecia um louco, um santo, um profeta. Deus, talvez, um náufrago enlouquecido, por certo. Um dia os abordou. Se dizia um inventor de estórias. Estava a procura de personagens, super-heróis imortais, tipo estória em quadrinhos. Nuno gostou, Sanxo, não, não gostava de estória em quadrinhos, que diabo era isso?
- Eram falsos, dizia Sanxo, coisa de americano.
- Americano!?
Nuno dizia que Sanxo não tinha cultura, misturava os tempos, isso era de outra época, que época? Sabia lá, estava tudo confuso em sua cabeça. O dito senhor das estórias, o tal do cara esquisito, disse que os dois serviam para os heróis das estórias que queria contar. Um é crédulo, o outro é cético. Vão ter muito o que discutir. Não é um tipo de aventura comum que quer contar, mas vão ter que contracenar com alguns personagens mais ou menos históricos dos tempos do porvir, tentar intervir em suas estórias.
- Senti o drama, rugiu Sanxo, não vai dar certo. Ninguém acredita. O país não aceita. O tempo, a época não admite herói positivo, não aqui, não ao sul do equador, aqui a moral é outra, haja visto...
- Não tem haja visto, nem ora pois pois, já é hora de mudarmos a piada, não somos a raça inferior que apregoam por aí...Nuno se dizia descendente de antigos cavaleiros que se bateram na luta pela reconquista do solo pátrio luso contra os mouros. Séculos depois seus antepassados combateram em terras santas protegendo peregrinos cruzados. Estava tudo em seu sangue. Era um cavaleiro, queria aventuras. Se preciso fosse embarcaria na estória do dito senhor delas, nem que fosse sozinho. Se Sanxo resolvesse ir, melhor. Seria seu pajem. Tinham vindo de tão longe, não via porque se separarem agora. Era um cavaleiro, repetia, estava pronto para aventuras. O senhor das estórias disse:
- Tudo bem, é melhor que estejam juntos, é melhor assim para vocês e as estórias.
- Não vai dar certo, tudo bem, eu vou, mas não vai dar certo…
- Vai, sim, Sanxo, deixa de ser idiota, cabeçudo. Relaxa e embarca.
Ouviram o barulho de montarias, cavalos, na mata ao redor. Cavalos? O senhor das estórias riu da reação dos garotos. Dois cavalos com tudo em cima. Prontos para serem montados.
- Aqui estão suas fantasias, digo, trajes. Vistam, darei em seguida suas armas, farei de vocês cavaleiros. Quando os cavaleiros estão prontos, a aventura aparece. Sanxo disse pra si:
- Ridículo, ainda bem que ninguém está vendo, quer dizer, espero...
Nuno se sentiu o próprio super-herói. O senhor os levou para a praia próxima à mata onde estavam. Na praia um grupo de índios corre atrás de um padre muito magro, corcunda e capenga. O padre cai e se levanta. Os índios estão para alcançá-lo.
- Ação! Disse o senhor, agora são dois personagens, o Cavaleiro do Tempo e seu garboso pajem Sanxo de los Trópicos… Os dois desceram à praia gritando como guerreiros e seguiram o grupo de índios que perseguiam o padre de batina negra. Os índios quando viram os dois cavaleiros, jogaram-se ao chão como se tivessem sido fulminados por um raio. O padre caiu lá na frente mais morto do que vivo, arfando como um peixe fora d’água. Alguns índios a vista do que viam/ouviam sair da boca dos cavaleiros, ameaçavam-se jogar ao mar, afogando-se como suicidas.
- Cuide dos índios que eu cuido do padre, Nuno grito pra Sanxo.
- Padre, sossegue, somos do bem, queremos lhe proteger...
- Sim, meu filho, em nome de Deus, não sei o que seria de mim...
Sanxo tinha mais dificuldades com os índios. De repente conseguiu se entender com eles. Trocaram amabilidades e presentes. Trouxeram uma índia jovem com as virtudes à flor dos olhos. Sanxo disse:
- Em serviço eu não brinco, deixa pra outra hora, tem tempo...
Os índios desapearam Sanxo do cavalo, carregaram-no vestido em triunfo, tiraram-lhe a roupa. Tomam banho que para Sanxo era o primeiro em mês e meio de viagem e semanas na mata da floresta se escondendo com medo dos índios. Na segunda hora dormiu ao regaço de um grupo de índias. Sonhou sonho ruim lembrando o festim canibalesco, acordou apavorado com as índias rindo dele querendo correr dormindo. Nuno achou uma palhoça à beira mar e levou pra lá o padre, acomodou-o e ficou de guarda fora da palhoça. Anoiteceu, Sanxo já refeito do sono e sonho apareceu na palhoça.
- Não podemos confiar muito neles, temos que ficar de guarda, lhe disse Nuno.
- Qualquê, índio é tudo boa gente, relaxa, vai lá, te enturma com eles, toma um banho, fica com as índias. Vou ver qualé a do padre. Padre dormia feito um anjo, de repente tinha uns sobressaltos de sonho ruim...
- Santa Maria, mãe de Deus, me livrai das garras desses demônios doidos por sardinha de padre magro, seco e corcunda... Logo depois voltava ao sono sossegado e feliz.
Sanxo, ancho e largo relaxou e dormiu do lado de fora da palhoça.
Nuno saiu e voltou depois com um grupo de índias alegre e feliz, viu Sanxo e o padre dormindo, ficou tranqüilo. As índias lhe levaram pra mata próxima, fizeram uma espécie de cama, Nuno deitou e dormiu. Era virgem e estava meio travado com as liberdades das índias. Acordou nu no meio da noite, com uma índia se esfregando nele. Foi homem pela primeira vez, gostou e quis mais outra vez com outra índia, rolou a noite inteira. Dormiu novamente e sonhou com o paraíso sem Deus e tentação de qualquer demônio.
De manhã Nuno acordou, foi na palhoça onde tinha deixado o padre, deu com a ausência dele. Saiu pra a praia e viu o padre na beira mar. O padre escrevia na areia da praia com um pedaço de pau. Nuno foi se a chegando a ele. Padre parecia em êxtase, ausente. Percebeu a presença de Nuno.
- Tava fazendo uns versos pra Virgem Santíssima, meu filho… E os índios, se acalmaram?
- Tão sob controle, padre, fique tranqüilo…- Pois é, que coisa, esses nativos são mesmo divertidos… Só porque não chegamos num acordo, quem ia fazer o quê na teatro, eles deram de querer me comer, no bom sentido, claro…
- No bom sentido? Claro, padre, fazer teatro por aqui deve de ser mesmo complicado, sim… mas quem não queria fazer mesmo o papel do quê, mal pergunte, padre?
- Do demônio, meu filho, queriam que eu fizesse o papel do demônio, ora pois só, disseram que o meu traje preto era mais apropriado, veja que malícia, imagina que que o padre Nobre ia dizer de mim fazendo o papel de demônio, Deus credo, me mandava de volta pras Coimbras donde eu vim…
- Que papel que eles queriam fazer, padre?
- De anjo, ora pois sim, se acham tudo uns anjos, não conseguem entender esse negócio de pecado, dizem que aqui não tem disso não, que isso é coisa de branco dado a leitura de livrim da capa preta… dizem que não querem esse negócio de salvação de inferno coisa nenhuma, que não existe essa coisa de inferno, que o céu é aqui mesmo, durma-se lá com isso… Tomara que eles se acalmem… Lá vem padre Nobre…
Padre Nobre era um pouco nervoso, além de gago e corcundo, como o outro, apareceu no seu passinho apressado.
- Quem é ele, porque está assim com esse ar beatífico?
- Ele e seu amigo me salvaram dos índios, padre, não sei bem de onde vieram mas parece que são dos nossos…
Nuno o cumprimentou respeitosamente.
- Benção, seu padre…
- Deus te abençôe, meu filho…
Os dois padres saíram de parte e começaram a cochichar. Pra eles estavam aparecendo por ali pessoas que não estavam no programa… Nuno foi lá na palhoça ver como é que tava Sanxo com as índias. Sanxo tava nu no meio delas.
- Levantar acampamento, companheiro, senão a inquisição dá encima… Manda essas pecadoras inocentes tomar rumo que é dia…Sanxo, mais que depressa vestiu-se e tocou as índias, que saíram em algazarra. Os padre foram chegando na palhoça conversando num Latim lá deles que os dois não entendiam. Sanxo comprimentou padre Nobre. Os padres estavam em missão de paz tentando
convencer os índios a aceitar os colonos portugueses e seus métodos não propriamente cristãos de fazê-los trabalhar. Os franceses eram mais maneirosos e menos preguiçosos que os portugueses, que se achavam com direitos à terra descoberta. Terras de quem, caras pálidas? Os padres tinham o compromsso com o rei, que bancava a presença deles aqui. Os dois padres apontavam para eles, queriam saber quem realmente eles eram. Deviam ser desertores de alguma nave, talvez. Os índios não queriam a paz dos padres. Era paz de cemitério, de morte, diziam. Os padres iam voltar pra Piratininga, dar conta de sua missão de paz. Ia ter guerra. Sanxo e Nuno confabularam entre si. Os índios estavam todos escondidos na mata junto à praia, armados até os dentes. Tinham que escoltar a saída dos padres senão poderiam ser mortos. Acertaram isso com eles. E as suas roupas de super-horóis que o senhor da histórias lhes havia dado no início da ação? Não sabiam onde foram parar. Nem sabiam como tinham voltados a vestir suas roupas que vestiam antes. Teriam as índias ficado com as roupas depois da noitada?. Estranho. E os cavalos? Também tinham sumido…Muito estranho… Juntaram sacolas e matulões e pegaram a estrada com os padres. No caminho os padres tentaram explicar as razões dos colonos. Os índios não aceitavam os portugueses com idéia de ter que trabalhar duro enquando o outro só chicote e corrente nos pés deles. Eram seres inferiores? Tinham alma ou não? Eis a questão. Do braço deles precisavam para cortar madeira dia e noite. Como não tem direito a nada? Eles viviam aqui só de viver livremente, guerreando ente si nas horas vagas. Os padres tinham compromisso com o rei de converter aquelas almas pagãs, o corpo que animava essas almas era outra coisa. Daria um concílio a discussão se o objeto dela fosse outro. Sanxo ouvia a tudo calado. Pensava lá dentro de sua cabeça, mas como é que essas almas vão chegar no paraíso depois de terem passado o diabo aqui embaixo? O padre parece que ouvia seu pensamento.
- A redenção, meu filho, o cristianismo é redenção, nosso senhor deu sua vida em sacrifício pela salvação da humanidade. O cristão que assim queira ser assim deve ser para maior glória de deus. Nuno não se conteve.
- Mas padre, tá certo deixar os índios serem escravizados do jeito que são?
- Certo não está, mas aí entram as razões de estado. Estas terras não são mais deles índios. Por vontade divina pertencem ao rei todo poderoso, que precisa de levantar os fundos necessários para colonizar a terra. Precisa da força do índio para cortar madeira para vender a madeira e pagar o capitalista que financia a colonização, não tem saída. Esse povo vivia por aí na selvageria pagã se comendo uns aos outros. Nossa missão é transformar eles em súditos leais do rei e crentes fiéis de deus todo poderoso, amém. Enquanto suas almas vão para o céu, contribuem para o bem de todo o reino, amém.
- Não consigo aceitar, mas tudo bem, quem sou eu para discordar de quem fala em nome do rei e de deus? Mas eu… eu sou o Cavaleiro do Tempo e Sanxo é meu garboso pajem Sanxito de los Trópicos… Nós… nós temos uma missão na terra de fazermos a justiça triunfar para a maior glória de… de Deus, sei lá, mas de que Deus?
- De Deus mesmo, Nuno, deve ter alguém por trás de toda essa confusão, um Deus de amor e justiça que guarde a esperança de tudo terminar bem, o bem vencendo o mal, nem que seja no último minuto…
- Certo, então teria um deus, um outro deus que não esse dos padres e do rei?
- Claro, senão nada teria sentido, o caos venceria a tudo. Quando a humanidade um dia vai entender isso? Paciência, no dia do juízo final de entender o que que a gente veio fazer aqui na terra…
- Não acredito, Sanxito, que você de repente me sai com essas idéias tão… tão positivas, você que sempre foi tão cético e cínico a respeito de tudo…
- Pois é, me sinto outra pessoa, acho que foi o contato com esses índios… Duma hora pra outra, me sinto como se fosse…
- …sei… outro homem…
Nuno sorria pra dentro. Os padres se entreolharam preocupados. Cavaleiro do Tempo… Pajem Sanxo de los Trópicos… Do que se tratava. Estranhos rapazes eram esses. Os rapazes deliravam, concluíram. Ficaram preocupados com as heresias de Sanxo sobre um Deus de amor e justiça para todos, Deus só existia um e era o da santa madre igreja fundada na pedra de Pedro pelo próprio nosso senhor conforme está lá nas escrituras. O grupo seguia estrada a fora, os rapazes percebendo que os índios os seguiam na mata, invisíveis ao olhar menos atento. A caminhada a pé era cansativa mas os padres eram afeitos a ela. Os rapazes eram jovens e não sentiam cansaço. Lá pelas tantas da tarde, sentiram fome. Olharam pros padres e perceberam que eles eram afeitos a jejuns e privações, mas e eles…
- Vamos descansar…
- Em nome de deus, vamos descansar um pouco… a viagem é longa e a estrada estreita…
Apearam-se. Os índios apareceram como que adivinhando, um trouxe uns peixes, armaram um braseiro, fritaram, outro um cesto de frutas, uma índia velha uma pipa de couro cheia d’água, serviço de primeira, reclamar do quê… Fizeram uma roda, os índios se chegaram, beberam e conversaram até o escurecer.
- Sim, meu filho, padre Nobre se achegou a Sanxo, me preocupo com mente tão jovem imaginando coisas de heresias que não convêm…
- Não, seu padre, imagine eu, pobre moleque…
a questão é que tenho cá comigo que esses nativos são como eu e o senhor e todo o mundo, tudo filho de Deus, se é que entende…
- Sim, meu filho, mas a circunstância histórica
é que admite que a nossa missão é delicada, entendo, pode parecer incoerência e talvez seja, alguns de nós até acham que temos que ir às armas por essas almas puras e inocentes, que não querem a escravidão…
- Eles são inferiores aos colonos e por isso têm que se submeter, é isso?
- São culturalmente inferiores, sim E podem aprender conosco e com os colonos…
- Mas padre, tudo bem, a religião tentando salvar as almas desses selvagens… mas salvar do que, padre, eles são tão inocentes que não entendem o que é pecado, inferno, satanás, vão ser salvo do quê?
- Esses selvagens vivem em pecado de incesto e antropofagia, se dão em mancebia com os colonos sem nenhum pudor. Precisamos civilizá-los em nome de Deus pai e da santa madre igreja e de sua majestade o rei.
- Eles não têm idéia de pecado algum, padre, são
como animais, não passa pela cabeça deles essa coisa de bem ou mal, isso pode fazer mais mal que bem pra eles…
Depois da refeição, descansam um pouco e retomam a caminhada, deixam os índios adormecidos da comilança e bebelança. A tarde já caia quando um grupo de colonos aparece, armados e agressivos. Eram paulistas, bandeirantes, parece. O que parecia o chefe do grupo interpela os padres apontado para os rapazes.
- Quem são eles, padres?
- Não sabemos, mas nos salvaram de ataque dos índios…
- Padres, estão se envolvendo com fugitivos da
justiça real. Temos ordens de prendê-los…
- De que são acusados?
- Não sabemos muito bem, são conhecidos como “os proscritos”, pesa sobre eles a suspeita de terem fugido de uma das naus de uma expedição…
- Há tanto tempo assim, são tão jovens…
- Não sabemos ao certo quem são, mas são de boa índole… pelo menos é o que parece…
- Aparentemente são inofensivos, mas praticam sedição insuportável por estas terras… Têm atrapalhado ação de apresamento de silvícolas mais de uma vez, é o que se sabe…
Grupo mais numeroso de índios aparece vindo da mata, também armados e hostis. Dirigem-se aos colonos em tom agressivo. Os padres intervêm para que se entendam. Os índios querem que os colonos deixem os rapazes em paz.. Nuno e Sanxo conversam com os padres. Esses seguirão com os colonos, com a aquiescência dos índios. Os dois amigos tomam outro rumo. Grupo de índias jovens tentam acompanhá-los, eles as dissuadem, acenam que voltarão logo que puderem…
- Estranho, muito estranho, as índias quererem nos seguir, murmurou Sanxo pra Nuno.
- Não tão estranho assim, Sanxo, elas nos amam, se enamoraram de nós, você nunca amou?
Sanxo riu para si. Nuno era totalmente inocente em matéria de mulher, pensava, veio conhecê-las aqui, ao contrário dele que desde os quinze já conhecia todas ou quase todas as mulheres livres daquelas beiras de cais tão conhecidas dele. Enquanto Nuno sonhava com aventuras e estórias de guerra de reconquista e libertação da terra santa, de cavaleiros medievais e damas virgens e inacessíveis. ”Você nunca amou… até parece!” Tudo bem, ele tinha mãe, irmãs, ah, as irmãs de Nuno! Mas como ele, não tinha pai. Os pais de ambos foram marujos que tinha ido ao mar e não voltaram. Ele, não, vivia solto e livre pelas docas e beiras de cais, pelo mundo como um cão sem dono, desde que a mãe morrera quando tinha cinco anos. A mãe de Nuno é que dele se compadecia, tinha até um lugar certo para dormir na casa dele. “Acho que ela é minha mãe também…’’
- Acho que ainda vamos encontrar essas índias por aí…
- Também acho…
Andaram um bom tempo na mata. Toparam adiante com a estranha figura de um engraçado índio jovem com roupa de colono. Dizia se chamar Neuzim Moita e tinha um jeito estranho de falar uma língua mal assimilada do português. Era simpático e tinha um jeito malandro e insinuante. Contou a estória de seu nome. Adoecera enquanto todos os machos da tribo se aprontavam para irem guerrear uma tribo vizinha. Ficara isolado debaixo de uma moita. À noite as mulheres da tribo iam lhe levar remédios e alimento. Neuzim, que na verdade não estava doente, apenas não quisera ir guerrear, não via a menor graça nessa coisa de ser guerreiro, de matar ou morrer, fingira estar doente para não ir à luta. Fora punido com o isolamento debaixo da moita. As índias que sentiam falta de seus homens, se esgueiravam até a moita e se entregavam a Neuzim, que assim satisfazia suas necessidades, dele e delas. Finda a guerra, metade das mulheres da tribo estavam grávidas. Neuzim sofreu execração pública e foi expulso da tribo. Vagava sem rumo pela floresta quando foi abordado pelo senhor das estórias, ele mesmo, aquele estranho senhor alto, cabelos e barbas longas, que vivia a procura de personagens. Propôs-lhe tornar-se um deles. Não entendeu muito bem a idéia, mas assim mesmo topou. Disse-lhe que encontraria em breve seus companheiros de estórias. Deu-lhes também um cavalo e mais os dois que Nuno e Sanxo haviam perdido na praia, na primeira noite com as índias. Neuzim teria características bem nativas, seria esperto, malandro e com os pés no chão. Sanxo não simpatizou de saída com a cara de Neuzim. Nuno o olhava com condescendência, querendo rir de seu jeito e trajes.
- Tudo bem, junte-se a nós, então…
Ganharam a estrada novamente. Mais adiante Neuzim desceu de sua montaria.
- Sou artista…
Puxou de dentro de uma sacola de palha uma flautinha de madeira e começou a tocar. Tocava e dançava. Os dois amigos pararam para ver a arte daquele índio serelepe.
- Tinhas que ter conhecido o padre José, Neuzim…
- Sim, preciso encontrar esse padre…
- Não foi muito bem sucedido com os índios, quis fazer teatro com eles, não se entenderam a troco de umas idéias. Os índios não aceitaram a estória de demônio e anjo, pecado e salvação.
Neuzim começou a rir.
- Não é com estória de demônio e inferno, pecado e salvação que o padre vai conseguir fazer teatro com os índios. Tem que ter música e dança nesse teatro, senão não tem teatro…Onde estiveram com o padre?
- Na praia, antes de ontem…
- Vamos atrás dele…?
- Não sei, Neuzim, mas o padre anda meio atrapalhado com a guerra dos índios entre eles, os colonos e os franceses…
- Preciso encontrar esse padre…
Um vulto na mata os espreitava. Alguém que
parecia fugir de algo. Uma mulher. Se escondendo deles. Saem em busca do vulto que se esconde na mata. A mulher os encara ao ser cercada por eles. Está suja e maltrapilha. O olhar é agressivo. Parece não ter mais que vinte anos. É bonita, cabelos e olhos pretos.
- Não tenha medo, não lhe faremos mal…
- A mulher saca de dentro das vestes uma faca.
- Não encostem… Mato quem me tocar…
- Acalme-se senhora, não lhe faremos mal…
A mulher começa a chorar. Treme a mãos.
Nuno, num gesto rápido lhe toma a faca. Não reage.
- Tenho fome e sede…
- Temos água e comida…
Passam-lhe uma pipa com água. Neuzim
tira duma sacola umas frutas. A mulher bebe sofregamente, devora as frutas em seguida. Ainda os olha com desconfiança. Seu olhar altivo e amedrotado denuncia ter sofrido alguma violência.
- Como se chama, senhora?
- Joana, Joana dos Prazeres… Vim clandestina
numa nau, disfarçada de homem. Descobriram e me violentaram. Não perdi muito, era mulher de má vida. Jogaram-me ao mar perto da costa. Nadei um pouco e cheguei à praia.
- Descanse um pouco, cuidaremos de você…
Joana relaxou e dormiu. Acordou, prosseguiram a marcha. Joana num dos trës cavalos e os tres jovens se revezando nos outros dois. Joana puxou conversa.
- E vocës, quem são?
- Nós dois desertamos, fugimos de uma nau
onde viramos grumetes depois que nos descobriram clandestinos. Neuzim é nativo…
- Vistes por aí um homem alto, de barbas e cabelos longos?
- Quis se aproximar de mim, o rechacei com a
faca… Sabem quem é? Parecia meio louco…
- Conhecemos, é meio louco, mas inofensivo…
- De onde o conhecem?
- É um tipo esquisito que vive atrás de personagens para suas estórias…
- Personagens, estórias, como assim?
- Talvez quisesse fazer de ti um personagem.
- Joana baixou a cabeça, uma lágrima caiu-lhe do
rosto.
- Por que choras?
- Lembrança de infância. Minha mãe era atriz de uma troupe mambembe. Um dia foi e não voltou. Eu fiquei com minha avó, esperando até não esperar mais. Quando minha avó morreu eu tinha quinze anos, fiquei só e abandonada, sobrevivendo na rua como pude. Personagem lembra minha mãe. Sempre fui fascinada por teatro, representação, personagem…
- Nós somos personagens, acho que virastes um também…
- Aparece do nada, ele, o senhor das estórias.
- E então, acalmaram a moça?
- Joana se retraiu.
- E aí, mocinha, quer entrar nas estórias…?
- Será que darei pra isso?
- Dará e não darás… Representarás o papel de uma moça rebelde, sedutora e fascinante, mas não usarás dessas armas pra prejudicar ninguém… Tomarás conta desses machos teus companheiros de aventuras, como se fosses mãe, amante, irmã deles…De agora diante, serás Joana dos Anjos…os anjos são eles…
Todos ficaram perplexos e surpresos, querendo rir ou falar.
- Não vai dar certo, era Sanxo e seu ceticismo recobrado.
- Mãe de Neuzim, minha amante e irmã de Nuno?
- Não, Joana será mãe amante e irmã de todos ao mesmo tempo…
- Só ficção mesmo…
O senhor das estórias desapareceu como surgiu. O grupo resolveu tomar novamente a estrada. Resolveram ir a Piratininga, a procura dos padres. Achavam que tinham algum compromisso com eles. Neuzim os fez aprenderem tocar seus instrumentos de sopro e percussão, a dançar e representar algum ritual de sua tribo. O grupo parava de vez em quando pra descansar, comer e se divertir. Em pouco tempo avistaram os primeiros sinais de que estavam próximos a Piratininga. Como os padres os receberiam? E os colonos? Com os índios que cruzaram no caminho pra Piratininga, a presença de Neuzim entre eles lhes davam um salvo conduto. O problema era os cavalos… Os índios os olhavam assustadíssimos… Resolveram chegar a Piratininga a pé. Seria um problema a menos. Ainda não havia cavalos por cá. Atrairia a atenção mais ainda, se chegassem a cavalo. Os colonos que acompanharam os padres os tinham querido prender como foragidos da lei. Todo cuidado seria pouco. Deixariam os cavalos na mata. Chegariam à noite, em grupo de dois, procurariam os padres… Primeiro Nuno e Neuzim, depois Sanxo e Joana. Chegaram. Causaram algum reboliço. Padre Nobre, nervoso como sempre, os recebeu.
- Sejam benvindos, em nome de Deus…
- Padre, só queremos pernoitar…Nossos amigos estão a caminho…
- Amigos?
- Um índio e uma mulher...
- São amigos que fizemos no caminho…
- Santo deus…
- Sanxo está vindo com Joana…
- Joana?
- Não podemos acolher mulher aqui no colégio…
- Poderia nos indicar uma pousada de alguém
conhecido?
- Sim, no fim da rua, um homem chamado Manuel poderá lhes acolher, diga-lhes que os recomendei…
- Obrigado, padre, ficaremos cá for a a espera de Sanxo e Joana…
- Fiquem com Deus, meus filhos…
- A noite era escura e pesada. Sanxo e Joana
chegaram à porta do colégio onde Nuno e Neuzim os esperava. Saíram a procura da pousado indicada pelo padre, no caminho resolveram se arranchar embaixo de uma frondosa árvore. . .
- Ao raiar do dia se levantaram e foram para a porta do colégio. No caminho cruzaram com um homem que estava entre os que quiseram prendê-los como proscritos. O homem estava em companhia de outros.
- São eles…
Aproximam-se.
- Para onde vão, forasteiros?
- Vamos ter com os padres…
- Considerem-se presos, em nome do rei… Quem são esse índio e essa mulher?
- São nossos amigos, encontramos no caminho de Piratininga…
- Considerem-se presos, também…
- Neuzim resolve negociar.
- Vim ter com os padres em nome da minha tribo…
- E a mulher?
- Ela é náufraga de uma nave que afundou próximo à praia…
- Parece mulher de má vida…
- Está a procura de um padre seu primo que mora no colégio…
- O índio e a mulhr podem ir ter com os padres…
- Nuno e Sanxo foram amarrados com corda e levados para uma cadeia. Em pouco tempo um grupo de padres, a frente padres Nobre e José, chegam à cadeia onde estão presos Nuno e Sanxo. Vêm com uma ordem por escrito, do intendente, para libertá-los. Nuno e Sanxo saem da cadeia e vão para o colégio. Lá a agitação é maior que a habitual. Naquele dia chegaria a Piratininga um grupo de jovens órfãs que viriam para se casarem com colonos solteiros. A idéia dos padres era evitar que a mancebia dos colonos com as nativas se tornasse epidêmica pelo menos ali em Piratininga. Quando iam ter com os padres Neuzim e Joana combinaram de procurar padre José e lhes mostrar seus dons artísticos. O padre estava tão atrapalhado com a chegada das órfãs que confundiu Joana com uma mulher mais velha que vinha acompanhando-as e recebe-os com simpatia. Por volta do meio-dia, uma carroça puxada por bovinos adentra a ruela que daria origem à cidade, seguida de algumas montarias. Na carroça, comprimia-se um grupo de jovenzinhas que não disfarçavam o espanto e o medo. Afinal, vinham em busca de um casamento que não sabiam com quem seria. Eram onze ao todo. À frente da caravana, uma religiosa da ordem das carmelitas. Alvorôço no colégio. Nuno e Sanxo aproveitaram a confusão com a chegadas das moças para conhecerem melhor a aldeia e conversarem. Pararam numa taberna. Despertaram curiosidade. Sentaram numa mesa ao fundo do salão. Pediram alguma coisa pra beber e comer. Apuraram o ouvido. Ficaram sabendo que uma bandeira estava sendo preparada para sair de Piratininga com a finalidade de apresamento de índios, busca de metais preciosos e expansão das fronteiras. Voltaram para o colégio. Lá deram com Neuzim tentando ensinar padre Anchieta a tocar uma flauta, sob as vistas incrédulas do padre Nobre. Perguntaram por Joana. Neuzim conseguira que Joana se integrasse à comitiva que recepçionava as jovens órfãs, que ficaram na casa do intendente. Haveria um baile à noite, quando as órfãs seriam apresentadas às famílias da aldeia. Padre Nobre conseguiu tirar padre Anchieta da aula de flauta de Neuzim. Neuzim vendo Nuno e Sanxo chegarem levou-os para o dormitório onde estava instalado, junto com alguns noviços e índios. Neuzim era todo contentamento. Já sabia do baile das órfãs, tinham que ensaiar um número de música e dança para impressionar a todos como artistas. Nuno e Sanxo olhavam espantados o entusiasmo e desembaraço de Neuzim. Índio mais furão não podia existir em todo o hemisfério em descobrimento.
- E Joana?
- Caiu nas graças da religiosa que trouxe as órfãs… e foi pra casa do intendente com elas…
- Pelo visto nossa estada aqui vai ser melhor do eu pensava, apesar da recepção…
- - E as órfãs, chegastes a vê-las?
- Parecem um bando de ovelhas indo pro abate… - Coitadas…
- E a festa?
- Temos que impressionar pro pessoal assimilar a gente mais fácil…
“Esse índio, sei não…” Sanxo confabulava com seus enferrujados botões…
- Ficamos sabendo duma bandeira que tá saíndo, pelo jeito você não vai querer ir…
- O padre José tá muito entusiasmado com a gente…
- A gente não vai sair pra prender índio com essa bandeirada… Temos que arrumar o que fazer por aqui…
Neuzim baixou o tom da voz, em tom de altas confidências.
- Conversei com alguns índios aí e temos que falar pro padres que se a vila ficar muito vazia de homens úteis, os índios podem atacar…
- Neuzim, falando em homens úteis, se os maridos dessas órfãs forem atrás das bandeiras, quem vai olhar pressas recém-desvirginadas?
- Tem que deixar você aos cuidados de padre Nobre…
- Esse homem é difícil, o que tem o outro de suave, tem esse de durão…
- Tão vindo aí…
Lá vinha a dupla morde e sopra. O sorriso na cara de um e a cara fechada do outro.
- Rapazes, precisamos de vocês para darem proteção às órfãs. A amiguinha de vocês tá ajudando a irmã carmelita na cuidagem das jovens, algumas delas estão um pouco nervosas…
- Neuzim cuida da parte artística da festa, nós outros faremos a segurança da casa onde estão…
- Em nome de Deus… Confiamos que tudo acontecerá sem problemas.

Profeta do novo mundo prega no deserto das selvas e das cidades




Capítulo 2
                                                Enquanto Neuzim e Joana perambulava por Pernambuco e Bahia com sua música e canto e arte, Nuno e Sanxo viram-se em novos domínios, a vegetação mudara, a floresta era mais espessa, o calor maior. Ouviram barulho de grupo vindo em sentido contrário, ficaram na espreita, vinha gente, observaram, era um grupo de padres e nativos, a frente um padre alto, magro, velho, barba branca, com um gorro preto na cabeça, três índios, uma alimária, cem metros mais atrás um grupo de colonos a cavalo armados de arcabuzes, facas e expressão ruim no rosto. O primeiro grupo parecia ir por certo da capital da província do maranhão provavelmente rumo à serra da ibiapaba, pras bandas do ceará. Velho padre tinha no rosto expressão de abatimento e desânimo. Tiveram que sair às pressas, souberam depois, os colonos hostilizavam os padres que tinham ali chegado com a missão real de combater a escravidão dos nativos.  Acercaram-se do grupo mal os colonos deixaram de segui-los.                                                 - Por quem sois...  
                                               - ...Somos de paz, estamos pra protegê-los nessa caminhada pela mata, padre....      
                                           - Em nome de deus, sejam bem vindos, não conhecemos tão bem essa trilha, não conseguimos embarcar por mar a tempo em segurança, os colonos estão muito hostis, tivemos que sair às pressas,  molestaram os padres que estavam ali com a missão de combater a escravidão dos nativos.         
                                                  - Entendemos, mais adiante conseguiremos embarcação indígena, se quiserem iremos pelo rio onde der, caminharemos onde for possível. Assim fizeram.                                      
                                                  - Que fazem tão jovens colonos por essas ínvias paragens?                   
                                                   - Cá estamos em missão de paz e justiça, não vos preocupeis tanto em saber quem somos, ficai tranqüilos.                                                     - Tranqüilidade é o que não temos nessa ação missionária, caros jovens, estas províncias estão rebeldes às ordens del rei, encontra-se formas vis de burlar a vontade real. Do púlpito onde posso tenho falado a todos mas as consciências estão por demais embotadas, a ganância, a concuspicência, a luxúria, a idolatria do ouro só tem paralelo na saga do povo eleito adorando bezerros argênteos em meio ao deserto dessas selvas, nosso povo, nossa nação tem a missão de desbravar novos rumos, novos horizontes pra essa humanidade tão perdida, nosso jovem rei tão cedo morto não tardará a voltar, está encoberto na alma dos que têm a tarefa de governar nosso povo e nação. Nossa tão querida santa madre igreja se divide em fratricidas questões menores, tenho sofrido perseguições sem conta por defender idéias combatidas pela inquisição a frente os dominicanos, portugal não pode prescindir do capital dos israelitas para a consumação de sua vocação maior, qual seja a de transformar a terra no novo mundo prometido pelos profetas antigos e recentes.                                                        Velho padre delirava de febre e entusiasmo, era visível seu cansaço.
                                                      - Sim, meu filho, nos ajudem no que puderem, preciso descansar um pouco.
                                                        Fizeram acampamento, dormiram. Dia seguinte desfizeram acampamento e prosseguiram viagem. Nuno e Sanxo conheciam a fama de orador do velho padre, acercaram-se de sua montaria para confabularem.                                                       - Os colonos então relutam em aceitar a disposição real sobre a escravidão dos índios?
                                                       - Sim, meus filhos, a ordem real é de que os nativos sejam atraídos por nós religiosos e sejam colaboradores voluntários na tarefa da colonização. Os colonos porém se apressam em apresar os índios que não aceitam isso passivamente. Cria-se o conflito, que tentamos mediar em vão. A ordem real é clara, mas os colonos a ignoram alegando que precisam da mão de obra escrava dos nativos sob pena de comprometer a missão colonizadora. A nossa missão religiosa é a conversão desses gentios em cristãos tementes a deus e súditos fiéis de sua majestade el rei. Os colonos com sua ganância e pressa não aceitam nossa mediação, por isso fomos expulsos dessas terras. Se não saíssemos seríamos mortos.                                                       - Padre, em sã consciência o senhor acredita que a missão colonizadora poderá ser feita sem a escravização dos nativos?                                                                                                                    - Em tese sim, se a missão catequética andar ao lado da missão colonizadora. Os colonos porém não estão dispostos a isso. São homens rudes afeitos a lutas, guerreiros que não distinguem muito bem os adversários de suas empreitadas, querem alcançar seus objetivos a qualquer custo, matando ou prendendo a quem a isso se oponha. Nós religiosos ficamos entre a cruz, a espada e o cetro real. A ação dos corsários é um elemento complicador. Alguns são mais habilidosos no trato com os nativos. A missão colonizadora não pode esquecer que por vontade divina nossa pátria é dona dessas terras e tem que defendê-la da ação corsária. A tolerância real com o apresamento dos índios se justifica pela priorização da defesa da terra descoberta da ação dos piratas. Politicamente se justifica, moralmente não.                                                        - Onde fica o compromisso moral da igreja em face do conflito? A  igreja tem compromissos morais e políticos e tenta ser fiel a eles sem excludências, nem sempre consegue. A igreja é composta por homens falíveis e mortais. A igreja invisível e espiritual paira por sobre a igreja humana e a ela se sobrepõe. E’ o que a mantém viva. Os homens que comandam a igreja ou agem em seu nome  ao longo dos séculos enxergam mais ou menos essa realidade e agem segundo essa visão. Ora estão mais perto ora  mais longe de um ideal de igreja eterna acima das circunstâncias históricas. Nós, pregadores da palavra divina tentamos explicar isso aos ouvintes, nem sempre somos entendidos.           
                                                    - Temos ouvido alguns discursos vosso, padre, e percebemos a dificuldade de serdes entendido e aceito.
                                               - Sim, filhos, mas somos movidos pelo espírito da parábola do mestre, semeamos em terreno árido mas não deixamos de semear, é nossa missão.        
                                                   - E as profecias, padre?  
                                                    - De que profecias falais, jovem? 
                                                     - Fala-se por aí dos problemas que tivestes com respeito a profecias sobre um quinto império que não se sabe bem do que se trata...                                                     - E’ assunto de extrema gravidade e não estais de todo enganado sobre os percalço por que passei por ter chegado às mãos da santa inquisição algo a respeito, mas temo que não deva me referir sobre isso com mentes tão jovem e pouco afeitas por certo a questões tão profundas e complexas...                                                               - Ficai tranqüilo, padre, e não nos faleis sobre isso se não for de vossa vontade...          
                                                      - Falar sobre coisas do futuro é mais difícil que falar de coisas do presente. Temos tido visões do futuro. Futuro de nossa pátria, futuro da humanidade. 
                                             - Acreditais mesmo que nossa pátria tem realmente o futuro brilhante e glorioso que imaginais?
                                                - Sim, por certo, o século passado mostrou a nossa capacidade de levarmos ao resto do mundo o brilho de nossa civilização, nossos corajosos navegantes levaram a palavra de Deus a lugares dantes nunca...  
                                                Sanxo se empertiga em sua montaria, olha para Nuno que lhe pede com o olhar, calma com o velho padre...
                                            - Tenho dificuldades, padre mestre, com todo o respeito, de admitir que essa cultura que é levada junto com a palavra de Deus seja mesmo benéfica para povos como esses que encontramos aqui...
                                                - Ah, meu filho, não seja tolo... Essas almas selvagens na sua aparente inocência precisam da ação catequética para serem salvas do pecado da mancebia, do incesto, da idolatria pagã, da antropofagia...
                                         - Mas padre, será que nossa cultura realmente é superior à desses nativos...   
                                         - Sim, meu filho...
                                         Ouviu-se então estranho alarido vindo da mata espessa. A comitiva fez-se em guarda. Era um bando de nativos, pintados, cantando e dançando em atitude aparentemente hostil, lanças e flechas apontado para os nativos da comitiva. Velho padre interveio dialogando com os guerreiros índios na língua deles. Queriam saber quem eram os dois jovens que acompanhavam a comitiva. Nuno e Sanxo se dirigem aos índios diretamente. Dizem que são amigos dos padres e estão ali para os protegerem em sua viagem. Os índios lhes dizem que os levarão para a aldeia, ordenam que Nuno e Sanxo desçam de suas montarias. Discutem com os padres. Dizem  que todos da comitiva são prisioneiros deles. O grupo segue os índios até à aldeia, lá chegando os índios os recebem em festa, estão se preparando para alguma batalha, ou celebrando algum festival. Nuno, Sanxo, os padres e os índios ficam apreensivos, não entendem porque os índios os fazem prisioneiros. Índios começam a dançar e cantar, arrastam nativos da comitiva e Nuno e Sanxo para o centro do taba, despem Nuno e Sanxo. Pintam seus corpos  com tintas vermelha e preta, cores de guerra. Fazem o mesmo com os índios que acompanham os padres. Poupam os padres do  constrangimento. Cantam, dançam, bebem e comem a noite inteira. Velho padre fora convidado pelo chefe da tribo a dormir em seus aposentos juntos com os outros padres, depois de conversarem até altas horas. Nuno dormiu por ali mesmo, Sanxo foi arrastado por jovem índia pruma moita próxima, depois de se empanturrar de comida e bebida. Dormiu e sonhou sonhos terríveis. No sonho comia feito um desesperado mas  na verdade percebeu que  estava preso numa jaula,  como que engordando para ser comido depois de assado, por certo. O medo bateu. Encontrava-se sozinho no sonho. Pecado, tinha a sensação de pecado. Como se só ele respondesse pela gula e luxúria do mundo. De repente via o velho padre trepado numa árvore pregando grave e solenemente como se estivesse no púlpito de uma igreja. A voz forte e tronitroante do velho padre ecoava floresta a fora como se as trombetas de Jericó fossem.
                                               - “Hoc autem decebant tentantes eum. Que os homens sejam maiores inimigos que os demônios, é verdade que eu tenho muito averiguada. Busque cada um o exemplo em si, e achá-los-á: por agora baste-nos a todos o de Cristo. Depois de trinta anos de retiros, houve Cristo de sair a tratar com os homens, ou a lidar com eles. E porque não basta  ciência sem experiência, nem há vitória sem batalha, nem se peleja bem sem exercício; antes de entrar nesta tão perigosa campanha, quis-se exercitar primeiro com outros inimigos. Parte-se o senhor depois de batizado ao deserto; e diz São Marcos  que estava ali e vivia com as feras. Eratque cum bestiis. Passados assim quarenta dias, seguiram-se as tentações do demônio: Et acendens tentator, tentado Cristo no mesmo deserto, tentado no templo, tentado no monte. E depois destas duas experiências, então finalmente saiu, e apareceu no mundo, e começou a tratar com os homens: Exinde caepit praedicare. Não sei se reparastes  na ordem destes ensaios. Parece primeiro que se havia de exercitar o senhor com os homens,  como racionais e humanos; depois com as feras, irracionais e indômitas; e ultimamente com os demônios, como tão desumanos, tão cruéis  e tão horrendos. Mas não foi assim, senão ao contrário.  Primeiro com as feras, depois com o demônio, e ultimamente com os homens. E por quê? Porque o exercício e o ensaio, há de ser do menor inimigo para o maior: e os homens não só são inimigos mais feros, que as feras, senão mais diabólicos que os mesmos demônios. Vêde na experiência. Que aconteceu a Cristo com as feras, com o demônio, e com os homens? As feras não o comeram; o demônio não o despenhou; os que lhe tiraram a vida foram os homens. Julgai se são piores inimigos que o demônio? Do demônio defendei-vos com a cruz; os homens põem-vos nela”.                                             Velho padre desce da árvore lentamente como se flutuasse no ar protegido por coorte de criaturas celestiais. Sanxo sonha em seguida que viu abrir-se a porta da jaula, sem mais nem porquê. Era noite escura. Não pensou duas vezes, saiu correndo porta a fora rumo a escuridão da mata. Sensação de liberdade que durou pouco. Olhando para trás percebeu onças, raposas, tamanduás, cobras,  cachorros do mato, ganindo de ódio em seus calcanhares, prestes a lhe devorarem, começou a gritar, enquanto corria. Da mata escura surgiu a figura de um cavaleiro alado, era ele, o Cavaleiro do Tempo, num garboso cavalo branco, vestindo roupa e capa de cavaleiro medieval, cruz ao peito. O seu único e grande amigo Nuno. Deus existe e protege os inocentes, ou quase inocentes. O cavaleiro luta bravamente com as feras que perseguiam Sanxo. Mata-as todas com sua espada mágica. Sanxo respira aliviado, grita por Nuno. Ninguém responde. Sumiram todos. Nuno o abandonou, está perdido. Das sombras da trevas aparece a figura de satanás em pessoa, tridente na mãos, aproxima-se dele, ameaçando-o.                                      
                                      - “Vou levar tua alma pra o inferno”.
                                     Sanxo dispara novamente em desabalada carreira, satanás atrás dele. O calor do tridente de satanás esquenta-lhe o traseiro em fuga, morte cruel, desespera-se, pensa, empalado cruelmente por um ferro em brasa pelo maldito em pessoa. Eis senão, novamente aparece o Cavaleiro do Tempo em sua garbosa montaria alada. Trava terrível refrega com satanás. A espada do cavaleiro ferve em contato com o tridente do demônio. Por fim o cavaleiro acerta certeiro golpe no pescoço do tinhoso,  que tomba mortalmente ferido. Sanxo assistiu à luta mortal com o coração na mão. Suava em bicas. Nuno, o cavaleiro do tempo, sumiu tão de repente quanto aparecera. Sanxo exausto desfalece e sonha que sonha. Agora está deitado em confortável cama num aposento riquíssimo e luxuoso  de um palácio talvez, é um príncipe, uma dama lindíssima, vestindo diáfana camisola transparente, adentra o aposento. É Luisa, a irmã de Nuno. Luisa despe-se e entrega-se docemente a Sanxo que a penetra selvagemente entre gritos e gemidos de prazer. Depois do amor Luisa chama um criado com uma sineta de mão. O criado aparece trazendo numa bandeja as mais gostosas guloseimas para o depois do amor, e do melhor vinho da adega palaciana. O criado é Nuno, Sanxo desconfia, tem alguma coisa errada, mas é Nuno mesmo, fisionomia e pose grave de um profissional criado.  Devora as guloseimas, bebe vorazmente o vinho, atira-se novamente ao seio de Luisa que se lhe oferece languidamente, em frenética sofreguidão. Goza como um desvairado. Adormece nos braços de Luisa. Sonha por fim que terríveis dores de estômago levam-no a vômitos  que lhe põem boca  a fora as tripas com tudo o que havia ingerido. Tenta se levantar, Luisa! Nuno! onde estão vocês? grita desesperado, não consegue, tem a sensação que as guloseimas e vinho estavam envenenadas, sente-se morrer, sufoca-se, o sangue queima-lhe as veias, a cabeça gira como um carrossel. Vê por fim, Nuno e Luisa, ao pé de seu leito, assistirem passivos a sua agonia, rindo-se cúmplices, como se se deleitassem com seu sofrimento mortal...                                           - Assassinos! Traidores! falsos amigos! encontrá-los-ei nos infernos! sentiu-se morrer... A figura do velho padre pregando seu sermão lhe invade a mente ensandecida e culpada. Socorro, me acuda, padre mestre, por caridade, tende piedade de minha alma pecadora... Sanxo, sanxo, grita-lhe Nuno, sacudindo violentamente o  amigo, acorde, em nome de deus... Sanxo desperta mais morto que vivo, todo sujo de vômito.
                                                - Nuno, nuno, que aconteceu, onde estou, por quem sou, dizei-me, porque estou tão assim tão mal, debate-se em atroz agonia.                                                               - Tivestes pesadelos, amigo, comeste e bebeste demais, talvez...                                    - Sim, por certo, talvez, agora me lembro, foi isso, devo ter comido e bebido demais, santo deus, que dor de cabeça, que mal estar                                         
                                                   A índia com quem passara a noite traz-lhe uma cabaça com  chá de ervas, ingere a beberagem, sente alívio quase que imediato. Levam-lhe pra uma  rede, Sanxo está em choque. Nuno aparece na oca em que se recolhera.                                               - Sanxo. Tem um grupo de índios aí fora. Uns vinte índios. Todos parecidíssimos comigo e  contigo. Dizem que são nossos netos. Adivinha de  quem é filho o que os trouxe até aqui?    
                                                         - Essa é fácil...
                                                         - Neuzim da Moita...Neuzim e Joana dos Anjos tinham ido para Pernambuco com a idéia de se reencontrarem com eles por lá ou pela Bahia.                                            
                                                       - Ele mesmo. Lembra daquelas índias com quem ficamos século passado? Os índios são o resultado daquela farra.                                                                 - Querem alguma coisa especial de nós?                                               - Apenas nos conhecer.                                             -                Que tem Neuzim da Moita com eles?
                                                      - Nada especial, além de terem pelo menos dez desses índios como filho...apenas ajudou-os a nos achar. Em troca ganhou  de uns instrumentos de sopro que ele agora sabe tocar...
                                                      - Relaxa, deixa Neuzim na dele, vem conhecer tua descendência. Sanxo levanta a contragosto, mal põe a cara fora de oca é cercado pelos índios parecidos com ele e Nuno.       
                                        - Viemos conhecer nossos avós.                                             
                                         - Nossos avós?  
                                              - Sim, vocês. Que estória mais sem sentido.                                  
                                               Os netos deles eram mais velhos que eles. Velho padre e seus colegas de batina assistiam a tudo com um risinho cúpido no canto da boca. Não entendiam totalmente a cena, mas imaginavam o que não entendiam. Velho padre se aproxima deles.        
                                                - Terão que reparar o mal-feito do passado, filhos, se querem se redimir perante deus. Terão que batizar seus descendentes, como bons cristãos.                                  
                                                 Sanxo olhava pro velho padre com indisfarçável enfado.                                                 - Que ressaca, santo deus, água, quero água,  estou com as vísceras em brasa! Alguém lhe trouxe água.   
                                                  - Tudo bem, padre mestre, façamos sua vontade, seja tudo conforme sua intenção de tornar essa indiada que se diz netos daquelas índias com quem ficamos tempos atrás, bons cristãos tementes a deus e a santa madre.
                                                - Sim, meus filhos, ainda bem que concordais, não vejo melhor jeito de reparar o resultado dessa ato impensado de outrora. Vejo que são jovens bons cristãos zelosos da importância dos sacramentos para si e sua descendência.  
                                                          Armou-se o circo, os padres se paramentaram, velho padre comandou a cerimônia, aquelas almas fruto do pecado se tornam cristãs, amém.                                                
                                                        A comitiva dos padres prosseguiu sua caminhada à frente o velho padre. Na altura da região que é hoje a província do Piagohy, divide-se em três: uns padres vão até à serra da Ibiapaba, outros vão no rumo de Pernambuco, velho padre segue com Nuno e Sancho para a cidade de Salvador, na Bahia. Os rapazes, lá  encontram seus companheiros, Neuzim e Joana, ajudados por um poeta conhecido como Boca dos Infernos, que conheceram na casa do irmão do padre, onde estavam hospedados. Boca dos Infernos era um poeta mais ou menos aceito como tal pela sociedade bahiana e conhecido por sua poesia ora satírica, ora profana, quase pornográfica, ora carregada de religiosidade. Se encantou à primeira vista com aqueles rapazes alegres, divertidos e talentosos em suas artes e malasartes. Claro que se apaixonou por Joana e lhe dedicou alguns versos fascinado por sua beleza de inocente pecadora redimida. Passou a andar pelas tavernas e bares, botecos, vielas e ruas da cidade, empunhando viola que logo ensinou a Nuno e a troupe passou a lhe acompanhar em verdadeiros saraus que se tornaram diários, onde declamava ou cantava seus versos:
À SUA MULHER ANTES DE CASAR
Discreta, e formosíssima Maria,
Enquanto estamos vendo a qualquer hora
Em tuas faces a rosada Aurora,
Em teus olhos, e boca o Sol, e o dia:Enquanto com gentil descortesia
O ar, que fresco Adônis te namora,
Te espalha a rica trança voadora,
Quando vem passear-te pela fria:Goza, goza da flor da mocidade,
Que o tempo trota a toda ligeireza,
E imprime em toda a flor sua pisada.Oh, não aguardes, que a madura idade
Te converta em flor, essa beleza
Em terra, em cinza, em pó, em sobra, em nada.
BUSCANDO O CRISTO CRUCIFICADO UM PECADOR COM VERDADEIRO ARREPENDIMENTO
A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos,
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.A vós, divinos olhos, eclipsados
De tanto sangue e lágrimas cobertos,
Pois, para perdoar-me, estais despertos,
E, por não condenar-me, estais fechados.A vós, pregados pés, por não deixar-me,
A vós, sangue vertido, para ungir-me,
A vós, cabeça baixa, pra chamar-me.A vós, lado patente, quero unir-me,
A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.

DEFINE A SUA CIDADE
De dois ff se compõe
esta cidade a meu ver:
um furtar, outro foder.
Recopilou-se o direito,
e quem o recopilou
com dous ff o explicou
por estar feito, e bem feito:
por bem digesto, e colheito
só com dous ff o expõe,
e assim quem os olhos põe
no trato, que aqui se encerra,
há de dizer que esta terra
de dous ff se compõe.
Se de dous ff composta
está a nossa Bahia,
errada a ortografia,
a grande dano está posta:
eu quero fazer aposta
e quero um tostão perder,
que isso a há de perverter,
se o furtar e o foder bem
não são os ff que tem
esta cidade ao meu ver.
Provo a conjetura já,
prontamente como um brinco:
Bahia tem letras cinco
que são B-A-H-I-A:
logo ninguém me dirá
que dous ff chega a ter,
pois nenhum contém sequer,
salvo se em boa verdade
são os ff da cidade
um furtar, outro foder.
                                             Nesta época Salvador vivia sob a tensão de um crime acontecido, que envolvia as facções políticas que dividiam o poder na capital da província. 
                                               Francisco Teles de Menezes, secretário do governador é emboscado por 8 homens encapuzados, tem sua mão arrancada do braço e é morto por Antônio de Brito. O motivo se deu por perseguição política - estarão envolvidos no crime: Ravasco, irmão do Padre Vieira e Moura Rolim, primo de Gregório. Os homens fogem para o Colégio dos Jesuítas, mas o governador da Bahia - Antônio de Sousa Menezes, O Braço de Prata, será avisado e começará uma terrível perseguição contra todos envolvidos.
                                              Antônio de Brito será torturado e delatará os envolvidos - Viera será perseguido - mas por representar a igreja e o poder papal, o governador releva, mas quer o irmão Bernardo Ravasco preso e destituído do cargo de Secretário do Estado. Ao tentar proteger a filha Bernardina Ravasco, Gregório conhece Maria Berco, que será presa ao saber que ela possuía a mão e o anel do Alcaide (o anel será penhorado). São confiscados de Bernardo documentos escritos e os poemas de Gregório. Bernardina é presa para pressionar Ravasco a se entregar.
                                             Rocha Pita é nomeado desembargador para investigar a morte do Alcaide. Palma, também desembargador, nega a vingança planejada pelo governador e por falta de provas, exige a soltura dos envolvidos mas, para soltar Maria Berco, Gregório teria que pagar uma fiança de 600 mil réis.
                                             Bernardino é libertado e expatriado. O governador é destituído do cardo e o Marquês de Minas é nomeado para substituí-lo, restituir o cargo de secretário a Bernardo Ravasco e se apresentar imediatamente ao Rei de Portugal. Mesmo assim sai do Brasil com muitas riquezas. O próximo governador, Antônio Luís da Câmara Coutinho, também será satirizado pelo poeta Gregório que terá sua morte encomendada, mas só o próximo governador, João de Lancastre, é que conseguirá prendê-lo e expatriá-lo para a Angola, volta mais tarde para Pernambuco, mas será proibido de escrever suas sátiras. Volta a advogar e morre em 1695, aos 59 anos.
                                             Padre Vieira lutará por justiça social através de seus sermões, morre cego e surdo em 1697. Bernardo Ravasco recebe sentença favorável ao crime contra o Alcaide e é substituído pelo filho, Gonçalo Ravasco. Maria Berco ficará rica mas deformada, rejeita pedidos de casamento à espera do poeta Gregório, que se casa com uma negra viúva, Maria de Povos, mas não se afasta da vida de devassidão pelos bordéis da cidade. "...se eu tiver que morrer, seja por aqui mesmo. E valha-me Deus, que não seja pela boca de uma garrucha, mas pela cona de uma mulher." A cidade da Bahia cresceu, modificou-se o cenário de prazer e pecado da cidade onde viveu o poeta Boca dos Infernos.
                                           Por cruel ironia do destino o homem que foi o principal assessor do rei de Portugal, que encantou platéias em todo mundo com sua oratória, que enfrentou a Inquisição e andava nos salões da diplomacia europeia com a mesma naturalidade que enfrentava a pé caminhos e caminhos pelas matas do nordeste, teve como sua última batalha uma futrica paroquial da qual saiu com a mesma altivez de sempre. 

Nota do autor: A última parte do capitulo poderá ser melhorada com a leitura do romance Boca do Inferno, de Ana Maria Miranda... fico devendo isso aos leitores..